01h11.
Cueca, camiseta com a custom da Dafra estampada. Na xícara de porcelana, leite com café instantaneo. Muito café. Nada de cigarros. Nos ouvidos, o pagodinho do Zeca. "Verdade...". Tomo um gole do café. Não posso dormir.
Trabalho muito e ganho pouco como todo o bom brasileiro mediano. Anita diz que faço coisas demais. E poderia ser diferente? Algumas coisas fazemos para sobreviver, pagar as contas, aliviar as frustações. Outras, fazemos porque é impossivel não fazê-las. Não fazer certas coisas é o mesmo que estarmos mortos. E antes a morte do que a domesticação, como diz um texto sobre Luther Blisset. Eu sigo. No CEU em que trabalho, "O despertar de Alice" e "A bela e a Fera" com as crianças. No Objetivo, aulas profundas e bem estruturadas (de fato seu método de ensino é muito bom!). No AD, a preocupação com a formação dos novos integrantes, os entraves burocráticos de "Drácula", o curta do D'Lou "Voou livre", a volta de "Medéia" e a necessidade de um espaço próprio custe o que custar. Além disso, as aulas de música (flauta, canto e teoria musical: Cinthia Onofre dá conta do recado com simpatia, inteligencia, conhecimento e bom humor), as aulas de sapateado (preciso voltar semana que vem e não parar mais de ir!), os lances da faculdade, uma namorada que necessita de atenção, uma cadela no quintal com dois lindos filhotinhos que precisarão de um lar em breve, as contas ,as dividas, minhas canções, "Dante" com Brisa Huami, "Soldado Jesus" com Ivan Neris, "Frankenstein" depois de Drácula? Quem sabe?", músicas para o G.R.A.Ve, rever amigos como Márcio Soares, Marcelo San, Alexandre Tavares, dívidas e pouca grana, o dente que precisa ser tratado novamente... Deus! E a cabeça não explode por pouco!
Hoje, em poucos minutos, começo a conclusão da sonoplastia do espetáculo. Fizemos um ensaio muito produtivo na quarta feira, e antes da estréia teremos mais três ou quatro ensaios. Serão menos de dez anes da apresentação.
É estranho estar dos dois lados: dirigindo a mim mesmo, descubro um ator paciente, pois volto as cenas seis sete vezes a procura de algo que ainda não encontrei, e vejo o universo de Melissa refletido nas ruas, nas pessoas, nos sonhos que passam diante dos olhos e explodem no chão quando caímos. Vai soar pretensioso, mas adoro meu trabalho. Acho que ele tem tanto a dizer - principalmente pra mim. O que será que os outros pensam sobre isto? Outro dia Sueli Kimura criticou estes atores que "mergulham" em personagens de forma perigosa e irresponsável. Concordo com ela. Melissa foi uma menina que caiu nesta. Durante minha formação, em cursos que participei, cansei de ver atores brincando de psicólogos e pirando estudantes, mergulhando em suas mentes como se tivessem este direito. horrível! Não pensamos teatro assim! Outro dia, conversando com um colega de profissão, ele disse que uma certa amiga que estudou no Teatro de Arte de Moscou disse-lhe que o livro de Eugenio Kusnet está mais próximo da verdade de Stanislavsky do que as traduções que chegaram a nós - estas foram traduzidas do inglês para o português e não do russo. Vocês já pensaram nisto, crianças?
Seja como for, "Melissa Hamlet" está se tornando um belo espetáculo, e eu espero que ele tenha uma bela vida longa. Estar no palco em um espetáculo solo é tomar uma dose do meu próprio veneno, é entender melhor os atores colaboradores que se entregam ao método de trabalho do Alucinógeno Dramático. É bem diferente, apesar de não ser nada novo. É apenas uma nova proposta de ordem das velhas coisas. Não acredito no novo: acredito em novos olhares sobre as coisas.
Enfim, hora de trabalhar.
Vou trocar Zeca Pagodinho por música erudita, bandas inglesas, Adoniran Barbosa, sons e efeitos. Possivelmente vou dormir lá pras quatro da manhã, acordar atrasado para trabalhar e me sentir muito feliz com tudo isso.
É muito bom ter como ofício algo que amamos de verdade.
Tentem um dia.
A vida é muita curta para realizarmos apenas o que é necessário.